#3 Caiu e quebrou? Ou quebrou e caiu?
- arthurdegoes
- 13 de set. de 2020
- 4 min de leitura
Foi só comentar que o inverno estava a caminho que, numa segunda-feira recente de trabalho, 5 pacientes foram levados ao Pronto Atendimento onde eu estava.
Eles eram idosos e apresentavam fratura de quadril. O mais novo tinha 71 anos, e o mais velho tinha 87.
Todos eles estavam em casa quando caíram. Isso foi no quarto e na cozinha, basicamente. Um deles passou muitas horas no chão até ser acudido. Ele não tinha força para se mexer e nem para chamar ajuda. Só quando alguém foi procurá-lo no quarto é que o encontraram caído.

Dalí em diante, o processo foi semelhante com todos. Os parentes ou cuidadores chamaram socorro ou atendimento móvel de urgência [na cidade de São Paulo costuma ser o SAMU (telefone 192) ou o Corpo de Bombeiros da Polícia Militar (telefone 193)]. Eles foram atendidos em casa e encaminhados para o Hospital. Algumas vezes (não raro), tamanho é o desespero, que os pacientes são levados pelos próprios familiares.
A chegada no Pronto Socorro passa a ser o início de uma jornada que inclui o atendimento de emergência, a internação, o tratamento hospitalar e o retorno para casa. Infelizmente, algumas delas não suportam e, com a saúde já débil por outros motivos, falecem durante o tratamento.

Imagine você, no auge da sua madura idade, depois de ter sido acudido, deitado numa maca, com MUITA dor, eventualmente usando fralda (modelo geriátrico), sujo, com hematomas e ralados pelo corpo, muito possivelmente em jejum. Não é possível ninguém ficar confortável nessa situação. Quantos medos, tristezas e preocupações passam a rondar os pensamentos desses pacientes.
Bom, a saga continua... Eles precisam ser avaliados por um clínico geral, por um cirurgião e pelo ortopedista. “Senhora, dói aqui? E aqui? Levante os braços, por favor. Mexa os cotovelos”. E por aí vai... Serão “picados” para realizar exames de sangue, coletar urina com auxílio de sondagem, realizar radiografias, tomografias, entre outros.
Esses idosos possuem outros problemas de saúde: hipertensão arterial, diabetes, colesterol alterado, histórico de infarto do miocárdio, AVE (acidente vascular encefálico), câncer, problemas pulmonares, insuficiência cardíaca, insuficiência renal etc. Eles também quase não escutam mais, não enxergam direito, são fracos e não têm força para se mexer.
Findada a etapa de Pronto Atendimento, o(a) paciente será internado e encaminhado(a) a um quarto onde terá um pouco mais de conforto – se é que é possível. Um leito, uma mesinha, uma gaveta, talvez uma televisão e uma poltrona para que alguém possa acompanhá-lo(a).

A cada movimento, tosse, ajuste de posição - até mesmo uma eventual risada - vem uma bela fisgada, daquelas agudas e profundas, que interrompe qualquer respiração. Mas não tem jeito. É preciso se alimentar, se hidratar, usar uma comadre ou um papagaio, e ainda “mexa-se, não fique na mesma posição, pois pode ganhar uma escara”. Nada fácil para ninguém, ainda mais alguém nos seus 80 anos.
Com os resultados dos exames em ordem e as avaliações médicas realizadas, o(a) paciente será operado(a) dentro de alguns dias. E aí vem a outra etapa: a anestesia e a cirurgia. O organismo precisa ser resistente para aguentar essas intervenções, praticamente obrigatórias.

Depois de vencer a etapa cirúrgica as dores melhoram bastante. Já é possível sentar, se mexer um pouco na cama, tomar banho no chuveiro, sentar numa cadeira e começar alguma fisioterapia. Mas é preciso prestar atenção: o coração ainda pode sofrer com o esforço, as infecções hospitalares podem causar maiores problemas e um tromboembolismo venoso pode ser fatal.
Não operar é uma possibilidade remota que só se justifica nos pacientes que não suportarão a intervenção cirúrgica e naqueles que se negam a realizá-la. Isso praticamente é atestar que o(a) paciente precisará conviver com aquela dor em fisgada, não caminhará mais e será extremamente dependente de alguém que possa ajudá-lo(a) no dia-a-dia.
Mesmo recebendo um atendimento eficiente e humanizado, é muito difícil que essas pessoas permaneçam bem de saúde durante a sua estadia no hospital. A chance de adquirirem complicações hospitalares ou descompensarem de problemas já conhecidos é grande, para não dizer enorme.
Bom, deu tudo certo até agora. Depois de alguns dias – eventualmente semana(s) – o(a) paciente pode ir para a sua casa. E aí vem os medos, os receios e as outras perguntas. “Como será daqui para frente? Vou andar normalmente? Minha perna vai ficar sem força? Vou mancar? Precisarei usar andador pelo resto da vida? ” etc.
A reabilitação não é fácil, e é extremamente dependente do esforço e das possibilidades de cada um. Os pacientes mais desanimados, mais fracos, com menos estímulo, com menos ajuda na sua casa, com mais medo ou receio de novas quedas, apresentarão mais limitações. Já os que conseguem se dedicar à fisioterapia e têm ajuda em casa, em geral se recuperam mais rápido e melhor. Infelizmente, para muitas dessas pessoas, a vida nunca mais será a mesma de antes da queda.
Nos próximos textos devo apresentar os números e as estatísticas que envolvem a fratura de quadril nos idosos. Assim como nós vimos até agora (textos #1 e #2), eles também são alarmantes. O objetivo com isso é divulgar um problema extremamente grave e preocupante, pouco conhecido pela população. Juntos poderemos prevenir e cuidar melhor de quem sempre cuidou de nós.

Até a próxima.
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